Nessa madrugada de hoje, bem num clima frio e sombrio, vi “Nosferatu: Phantom der Nacht” (1979), dirigido por Werner Herzog, no qual me causou uma impressão bastante forte e fiquei bem contente de vê-lo. Trata-se de uma obra que, embora não tenha a mesma densidade sombria da nova adaptação dirigida por Robert Eggers em 2024, carrega uma cadência narrativa muito própria e envolvente do início ao fim.
Primeiro preciso dizer que não consegui evitar os comparativos entre as duas versões, e esse exercício me ajudou a valorizar ainda mais as escolhas de Herzog, ainda que nem todas sejam plenamente eficazes.
O filme protagonizado por Klaus Kinski (como Nosferatu/Drácula), Bruno Ganz (Jonathan Harker) e Isabelle Adjani (Lucy) se apoia fortemente nesse trio. Herzog opta por concentrar a história nessas três figuras centrais, sem dar muito espaço para o Dr. Van Helsing, que no filme de Eggers é bem mais presente e relevante para o desenvolvimento da trama. Esse foco ajuda a manter a atmosfera densa em alguns momentos, mas também limita a riqueza textual do roteiro. Herzog constrói muito mais no visual e na sugestão do que na complexidade do diálogo, enquanto Eggers, por outro lado, aposta em uma narrativa mais carregada de texto e subtexto.
Tem algo que eu simplesmente gostei demais nessa versão! Visualmente, o Nosferatu de Herzog não teme ser mostrado. E isso é um grande mérito do filme! A criatura é revelada desde o início, com coragem, sem a necessidade de esconder sua figura nas sombras. Isso dá ao longa uma estética muito diferente da versão de 2024, que aposta no mistério, nas silhuetas e numa presença ameaçadora. Herzog, ao contrário, expõe seu vampiro mesmo sob a luz do dia e o impacto disso, para mim, é bem marcante. A maquiagem é expressiva e a presença de Kinski é hipnotizante, ainda que, por vezes, o filme peque justamente na reação dos personagens diante da criatura. O Jonathan de Herzog, por exemplo, não parece verdadeiramente assustado ou abalado com o que vê, ao menos não num primeiro momento. Falta intensidade emocional nessa descoberta, e isso tira um pouco da força da figura monstruosa, ao contrário da reação que vemos no Nosferatu de Eggers.

Ainda assim, o filme de Herzog tem cenas memoráveis. Destaco especialmente a sequência do jantar no castelo, quando Jonathan chega e é recebido por Drácula. É uma das minhas favoritas. É uma cena visualmente bem gótica e sombria, e que inclusive também foi reimaginada por Eggers de forma mais sombria ainda. Há ainda uma cena no banheiro, com Lucy penteando o cabelo, que achei muito bem construída e eficaz na aproximação do horror. Herzog sabe sugerir e usar os ambientes com muita competência e inteligência, e isso aparece também na alternância entre cenas claras e escuras. Ao contrário do remake de 2024, que mergulha do início ao fim em uma fotografia soturna e sombria, o filme de 1979 oferece momentos ao ar livre, cenas com iluminação natural, o que cria um contraste interessante com os trechos mais densos, principalmente no interior do castelo. Ah, falando em cenas ao ar livre, não poderia deixar de destacar os belos cenários naturais que podemos vislumbrar em “Nosferatu: Phantom der Nacht” (1979), que tem belas cenas gravadas na Holanda, Eslováquia, Alemanha e República Tcheca. Uma coisa curiosa é que ambos os filmes, tanto o de Herzog quanto o de Eggers, utilizaram o castelo de Pernštejn para gravação do filme. Eles basicamente utilizaram a entrada e o pátio para gravações de determinadas cenas. O castelo é conhecido por sua arquitetura gótica e sua longa história, tendo sido fundado entre 1270 e 1285.

O desfecho da obra também é algo que valorizo bastante. Herzog entrega um final que não busca simplesmente o choque, mas que respeita a atmosfera criada ao longo da obra dele. É diferente do final da obra de Eggers, mas ambos os diretores propõem desfechos que condizem com seus estilos e intenções. E embora eu prefira o impacto do filme de 2024, mais intenso, mais emocional, não tiro o mérito do Herzog, que constrói sua narrativa com firmeza e sua personalidade.
Em resumo, “Nosferatu: Phantom der Nacht” é uma obra que envelheceu com muita dignidade. Tem coragem, estética, boas cenas e um olhar artístico muito característico. Não é tão assustador quanto poderia ser, nem tão denso quanto outras versões, mas compensa isso com estilo, atmosfera e momentos de grande valor cinematográfico. E claro, recomendaria demais para quem ama cinema, “vampirismo” e obras com uma temática gótica.


Rafael da Silva Pereira nasceu em São Paulo, capital, atualmente cursa História pela Universidade Estácio de Sá. Fascinado pelo lado sombrio do horror desde muito jovem, encontrou no terror clássico sua principal fonte de inspiração — influenciado por obras cinematográficas como Halloween (1978), Sexta-feira 13 (1980) e O Massacre da Serra Elétrica (1974).
É autor do livro “Religiões UFO: ufolatria que invade mentes”, publicado pela Editora Cia do Mistério, onde investigou com rigor histórico e olhar crítico as manifestações religiosas ligadas ao fenômeno ufológico.
Além da escrita, Rafael também é divulgador científico e editor-chefe da Revista Giordano, dedicada à difusão da ciência com uma abordagem acessível e interdisciplinar.
Está escrevendo agora seu primeiro terror chamado “Bootzamon”, no qual Rafael dá voz às sombras que sussurram por entre milharais, casas e estradas de Black Hollow. Mais do que uma história de terror, este livro é um mergulho no imaginário de uma América rural marcada por segredos antigos, pactos silenciosos e um mal que nunca desaparece — apenas espera a próxima colheita.