A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), de Mel Stuart: um doce clássico dos anos 70

Quando me perguntam qual é o meu filme preferido de toda a vida, com certeza um dos filmes que passam pela minha mente de uma maneira bem instantânea, trata-se de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971), dirigido por Mel Stuart. Isso porque é um longa que já assisti — sem brincadeira — ao menos umas 30 vezes, pois durante a minha infância ele costumava ser reprisado inúmeras vezes pelo SBT no chamado “Cinema em Casa” (uma versão do “Sessão da Tarde” da Globo), além de ter visto outras tantas vezes por VHS ou então por outros meios durante a minha vida já adulta. Logo, tenho uma certa propriedade para falar sobre tal obra.

Assistindo mais uma vez essa semana, nesta oportunidade com o intuito de reparar um pouco melhor na trilha sonora e, também em entender a razão desse filme ser tão apaixonante, me peguei pensando em qual filme que teria feito eu amar tanto o cinema. Cheguei à conclusão que de uma maneira consciente, o filme que me fez gostar tanto da sétima arte, o cinema, talvez tenha sido “Janela Indiscreta” (1954), dirigido por Alfred Hitchcock, porém, creio que “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) durante a minha infância teve um papel fundamental em construir na minha mente um certo apreço pelo cinema, mesmo sem saber que isso seria mais aflorado ou desenvolvido ao longo dos anos.

Mencionado isso, agora você já sabe que este filme do Mel Stuart faz parte da minha infância. Inclusive, escrever este artigo me fez recordar, de quando ainda criança, o quanto eu gostava das músicas, da fábrica e de toda a fantasia que esta obra apresentava. E posso dizer, mesmo depois de tantos anos, ainda sinto a mesma sensação ao revê-lo pela milésima vez.

Mas qual a razão desse filme ser tão bom?

 Primeiramente, uma coisa que eu gostaria de pontuar, trata-se de algo que quase ninguém sabe, mas “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971), baseado no livro de Roald Dahl, não foi um filme que fez sucesso imediato no ano de 1971, isso se deve a duas razões:

1º – Musicais já não faziam mais sucesso como antes, pois na década de 40 e 50, o musical teve seu auge, mas já na década seguinte começou a ter uma grande queda e desinteresse por parte do grande público. Logo, o interesse das pessoas pela obra de Mel Stuart não foi tão grande devido ao seu gênero.

2º – Um outro fator que foi importante para que a obra não ganhasse tanta repercussão em seu lançamento, foi a competição com outros grandes filmes lançados na época, para citar alguns deles: “Laranja Mecânica”, “Operação França”, “Morte em Veneza”, “A Última Sessão de Cinema”, “Encurralado” e entre outros. Só filmaço, hein?

Sendo assim, foi bem difícil para a obra de Mel Stuart obter algum destaque, mas esse reconhecimento veio anos depois por duas razões: as tais reprises, porque o filme foi bastante reprisado na televisão americana, no Reino Unido, Europa e posteriormente aqui no Brasil, mas também pelo posterior sucesso que os doces — presentes ou não no filme — tiveram no mercado de guloseimas nos EUA e no mundo através de uma parceria com a empresa de alimentos Quaker. Entretanto, sobre isso veremos mais adiante no final do meu texto.

A partir dessas reprises, o filme passou a ganhar mais popularidade e as pessoas passaram a gostar demais da obra do diretor, seja pelas excelentes atuações, a trilha sonora marcante, o criativo e belo trabalho cenográfico que fazia realmente acreditarmos que aquela fábrica existia em algum lugar do mundo, as coreografias dos Umpa-Lumpas, os doces, enfim…as razões eram muitas.

Desde então, absolutamente tudo neste filme virou um grande destaque, não somente para as crianças, mas adultos e amantes de cinema, assim como eu. E repito, até hoje esses pontos anteriormente mencionados merecem destaque por quem acompanha cinema.

Charlie (interpretado por Peter Ostrum) ao encontrar o tão sonhado “ticket dourado”.

Antes de entrar em cada ponto que mencionei, vou deixar aqui uma pequena sinopse sobre o filme, caso você não conheça:

Charlie Bucket (interpretado por Peter Ostrum) é um garoto pobre e bondoso que vive com a família em condições humildes. Quando o excêntrico e misterioso Willy Wonka (interpretado por Gene Wilder) anuncia que esconderá cinco bilhetes dourados em suas barras de chocolate, o mundo entra em frenesi. Quem encontrar os bilhetes terá acesso a uma visita exclusiva à sua lendária fábrica, que está fechada há anos. Contra todas as probabilidades, Charlie encontra um dos bilhetes e embarca, junto de seu avô Joe (interpretado por Jack Albertson), em uma jornada mágica e bizarra dentro da fábrica, onde doces incríveis, canções marcantes e lições morais os aguardam a cada sala. Mas nem tudo é tão doce quanto parece.

Agora que conhecemos a premissa do filme, vamos destrinchar um pouquinho mais os pontos que acho positivos dessa obra e que as fazem um verdadeiro clássico do cinema e dos anos 70.

Algo que queria muito citar, é que logo de cara, na abertura do filme, temos créditos iniciais que eu simplesmente acho bem maravilhoso, mostrando como os doces da fábrica Wonka são feitos. Então dali já somos transportados para um mundo imaginativo e doce proposto por Mel Stuart. Considero estes créditos iniciais um dos que mais gosto na história do cinema.

Posterior aos créditos, somos introduzidos ao filme e nos deparamos com todo frenesi da população em todo mundo atrás dos tais “tickets dourados”, que permitirão o sortudo(a) conhecer a mítica fábrica de chocolates. E sobre isso, devo dizer que gosto demais de como esse caos e corrida atrás dos tickets é proposta por Mel Stuart, que demonstra toda essa corrida com o uso de reportagens e cenas em diferentes partes do mundo, que rendem um humor bem criativo e que funciona super bem até os dias de hoje.

As primeiras atuações que merecem destaques aqui no início do longa, são para a belíssima atuação mirim de Peter Ostrum como o garoto Charlie, que consegue fazer uma atuação super competente de um menino pobre, porém cheio de esperança que sairá daquela situação e encontrará o ticket dourado. Além da atuação muito boa de Jack Albertson, como o vovô Joe, que servirá na obra como um condutor de esperança ao garoto, fazendo-o crer na possibilidade de encontrar o ticket, e fazendo com que nós espectadores nos envolvemos naquela relação afetuosa de avó e neto. 

Depois, já na fábrica, temos a introdução do Willy Wonka, esse interpretado pelo Gene Wilder, e aí sim temos uma atuação memorável. Gene Wilder em sua primeira cena já mostra ao que veio, pois, poucos sabem, mas a cena dele caminhando da porta da fábrica até o portão onde o público o aguarda, foi uma cena improvisada pelo ator. E é uma cena simplesmente inesquecível! Posteriormente, vemos um Wonka bastante excêntrico, engraçado, sombrio e com diálogos brilhantes, carregados de lições morais, sarcasmo e humor.  Essa excentricidade dele é algo que acho sensacional, porque nos permite até fazer uma reflexão, se ele seria somente excêntrico ou então psicologicamente instável. Fico com a primeira opção.

Jack Albertson (Vovô Joe), Peter Ostrum (Charlie) e Gene Wilder (Willy Wonka) em “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971), dirigido por Mel Stuart.

Falei do Wonka ser um pouco sombrio, e gostaria de pontuar outra coisa que reparei nesse filme, que antes enquanto criança não havia percebido: a psicodelia presente na obra de Mel Stuart, que poderiam ser muito bem representadas através das cenas do barco e da sala apertada (que antecede a entrada dos personagens na fábrica). Percebi um uso bem interessante de um visual psicodélico com o provável intuito de entrarmos ainda mais não somente naquela fantasia, mas na própria imaginação e loucura do seu principal criador, Willy Wonka. O filme flerta demais com o bizarro, com o surreal e o nonsense, particularmente isso me marca muito.

Já a trilha sonora deste filme é uma coisa simplesmente inesquecível! Em “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) temos uma trilha com melodias memoráveis e letras cheias de criatividade. A trilha sonora foi criada por Leslie Bricusse e Anthony Newley, inclusive as canções também foram compostas pela dupla, que fora indicada ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original. Destaco demais as canções “Pure Imagination”, que é cantada por Willy Wonka e “I’ve Got a Golden Ticket” cantada por Charlie e Vovô Joe. Além delas, também acho bem legais as músicas interpretadas pelos Umpa-Lumpas, que a cada pessoa que acaba se “estrepando”, eles mudam a letra da música com lições morais, apesar da permanência sempre da mesma melodia. Abro aqui um espaço para comentar sobre a trilha sonora da versão de 2005 de Tim Burton, que simplesmente não somente não tem nenhum impacto, mas nos trouxe músicas esquecíveis e irritantes, sobretudo as interpretadas pelos Umpa-Lumpas.

Anteriormente em meu texto, falei sobre o trabalho cenográfico deste filme, e de fato, os cenários são de encher os olhos. Ao menos, para a época, os cenários eram ótimos e contribuíram muito para a criação desse universo mágico e estranho da fábrica, seja com as salas de doces, com o rio de chocolate, a ideia que tudo era comestível na fábrica, a sala da TV, a sala de invenções e etc.

Ou seja, temos aqui um filme que não envelheceu, e ainda provoca muitas interpretações, sendo elas em sua grande maioria positivas por parte do público. Para mim e outros fãs de cinema, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” de Mel Stuart, continua sendo uma obra obrigatória, especialmente nesta versão da década de 70. Se você ainda não viu, convido a assistir este grande clássico!

Para finalizar meu artigo, vou apresentar uma informação pouco conhecida de grande parte do público: a revolução no mercado de doces por causa desse filme.

Como “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) transformou o mercado de doces

 Como vimos, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) não apenas encantou o público, mas como veremos, também desencadeou uma revolução dentro da indústria de confeitaria. A Quaker Oats, gigante empresa do ramo de alimentos, financiou inicialmente o filme, vendo nele uma oportunidade única de transformar fantasias em produtos concretos. Ou seja, pegar os doces mencionados no filme de Mel Stuart, e com isso recriá-los no mundo real com a finalidade de potencializar as vendas da empresa. Em parceria com a Breaker Confections, lançaram dois doces diretamente inspirados na obra: o Peanut Butter Oompas, semelhante a um M&M de manteiga de amendoim, e a Super Skrunch Bar, uma barra de chocolate com recheio de caramelo e amendoim. Embora ambos tenham sido descontinuados nos anos 1980, criaram uma ponte entre a narrativa ficcional de Willy Wonka e o comércio real.

Com a popularidade tardia do filme ao longo da década, especialmente quando se tornou um “cult classic”, novos produtos surgiram para atender a essa demanda. A Breaker Confections introduziu o Everlasting Gobstopper em 1976, inspirado no doce fictício do livro e do filme. Esse “quebra-queixo de várias camadas” ganhou enorme popularidade e contribuiu para afastar o mercado da tradicional barra de chocolate em favor de confeitos coloridos e inovadores. O que se tornou uma tendência de outras fabricantes de doces nos EUA e no mundo.

Quando a Nestlé adquiriu a marca em 1988, ela expandiu ainda mais o universo Wonka. Muitas criações fantásticas foram lançadas: Nerds (1983), Dweebs, Runts, Wacky Wafers, Spree, Fun Dip, Laffy Taffy, entre outros. Alguns sabores e formatos remetiam diretamente aos nomes mencionados na obra literária de Roald Dahl, como o Scrumdiddlyumptious Bar, o Triple Dazzle Caramel e o Chocolate Waterfall, com embalagens que evocavam visualmente a magia do filme.

Vários doces foram criados tentando seguir o sucesso de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971). Acima uma propaganda da “Willy Wonka”, uma divisão dentro da Quaker que recriava os doces do filme clássico.

A influência foi além dos produtos em si. Estratégias de marketing passaram a replicar o “bilhete dourado” como forma de promoção: ganhar um prêmio especial se tornou uma tática real de engajamento da indústria de doces e alimentícia. As embalagens ficaram mais festivas, coloridas e focadas na ideia de experiência, não apenas no sabor. A própria proposta dos doces se tornou uma promessa emocional, associando consumo à imaginação infantil e à nostalgia adulta.

Ainda que muitos desses produtos tenham sido descontinuados, especialmente após 2010, a marca Wonka continua sendo comentada e pedida por fãs e colecionadores. Alguns itens são relançados esporadicamente, e ainda existe demanda significativa por versões nostálgicas como os Gobstoppers, Nerds e Wacky Wafers.

Sobre a revolução do mercado dos doces e a influência de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” neste mercado, recomendo demais que vocês assistam a série “Gigantes dos alimentos” do History Channel que aborda este tema. Algumas das informações que trouxe neste artigo foram tiradas justamente de lá.

Nota do filme:

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