Um dos autores mais bem-sucedidos do mundo responde às perguntas dos leitores sobre suas fontes de inspiração, a cor do medo, saber quando parar e por que o trabalho manual é inestimável para os escritores.
Certa vez, participei de um concurso de contos no The Guardian, julgado por você, mas não fui aprovado. É simplesmente uma questão de tentar até que algo dê certo? Ou aceitar a falta de talento é um alívio em vez de perseguir um sonho impossível? EvolAnth
Bem, não é necessariamente falta de talento. Acho que todo mundo tem talento, mas é preciso aprimorá-lo. Quanto mais você faz, mais gosta. E quando você tem talento, você quer fazer, sabia?
Você autografou meu exemplar de Christine com as palavras “Continue gritando por vingança” porque eu estava usando um distintivo do Judas Priest. A música ainda é importante para você? Rob Frampton
Sim, a música ainda é importante para mim. Eu deixei Judas Priest porque não consegui os direitos para usar as letras de You’ve Got Another Thing Comin’ para o meu romance de 2008, Duma Key. Então, mudei para Rancid, Nazareth, Anthrax e Metallica. Eu não ouço música se estou compondo diretamente da minha cabeça para a página. Quando estou reescrevendo, gosto de ouvir club music, disco ou algo com uma batida repetitiva que flui pela minha cabeça e entra por um ouvido e sai pelo outro. Hoje eu estava ouvindo um pouco de música zydeco e LCD Soundsystem. Eu gosto muito de North American Scum, Losing My Edge e Daft Punk Is Playing at My House.

Você ainda vai às livrarias e autografa seus livros quando ninguém está olhando? Pampers
Se eu puder entrar e sair às escondidas, eu entro. A última vez que fiz isso foi em uma livraria perto de casa, no oeste do Maine, e autografei alguns exemplares de Não Pisque e Mais Sombrio. Eu realmente não gosto de sessões de autógrafos porque não dá para atender todas as pessoas. Na minha última turnê de divulgação do livro, tive que autografar 400 livros que foram escolhidos aleatoriamente entre 1.000, então você só tinha a chance de conseguir um. Mas foi melhor do que enfrentar uma fila interminável de pessoas, onde todos têm dois ou três livros. Isso é difícil.
A palavra “prolífico” costuma ser usada em excesso, mas não para a sua produção. Não parar é uma escolha ou é porque você não consegue parar? JamesZZZ
É difícil decidir o que fazer com aquelas duas ou três horas extras por dia, entre 9h e meio-dia. Você só consegue assistir a um número limitado de gameshows na TV. Eu consigo dar uma caminhada, mas ainda fico pensando no próximo passo. Basicamente, cara, estou me divertindo.
Você ainda escreve todos os seus livros no Microsoft Word? otterley
Na verdade, eu escrevo. Às vezes, sento e escrevo à mão de manhã e depois transcrevo. Mas, principalmente, uso o Word porque você pode voltar e consertar as coisas. Não sou muito fã de computadores, então, se tenho algum problema, chamo meu cara de TI para fazer o trabalho.
Por que algo é mais assustador quanto mais pernas tem? biscoff
Há alguma verdade nisso. Acabei de ler um romance de fantasia britânico chamado City of Last Chances (sem publicação no Brasil), de Adrian Tchaikovsky. Nele, há um monstro em um buraco no chão, que é como uma centopeia e tem todas essas pernas. Quando jogam alguém no poço, ele agarra a pessoa com todas as pernas, perfura a carne e arranca sua cabeça. Então, isso foi realmente assustador. A questão é que eles não são como nós. Eles não se parecem conosco. Eles são basicamente criaturas alienígenas, então é um pouco assustador.
Quem você lê para momentos mais leves durante as férias? Eu releio livros de Wodehouse com classificação indicativa PG. LowerColon
Eu não leio livros de Wodehouse com classificação indicativa PG. Tenho tendência a ler mistérios britânicos. Estou lendo um agora chamado “The Ending Writes Itself” (sem publicação no Brasil), de Evelyn Clarke, que se passa em uma ilha escocesa. As pessoas não conseguem sair e é muito bom.

Estou cursando mestrado em inglês e minha dissertação é sobre a transformação de Holly Gibney de figurante em heroína, abrangendo todos os sete livros. Você pode me ajudar? Norahseel56
Eu meio que me apaixonei por ela. Ela deveria ser quase uma personagem de piada; uma figurante, por assim dizer. Ela era obviamente dominada pela mãe. A mãe dela era muito autoritária e o pai era um molenga. Chegou um ponto naquele primeiro livro, Sr. Mercedes, em que um dos personagens, Jerome Robinson, recorre à Holly porque ela entende de computadores e eles meio que se conectam. Foi nesse ponto que ela começou a se tornar tridimensional. Quanto mais eu escrevia sobre ela e me interessava por ela, mais ela começou a se tornar confiante e interessante. Ela ainda tem muita inferioridade, não é casada, não tem namorado nem nada. Acho que ela pode ser virgem. Não tenho certeza disso. Não explorei a história dela o suficiente, mas ela se tornou muito interessante para mim. No terceiro romance em que ela estava, ela simplesmente entrou e roubou o livro.
Qual foi o ponto mais distante em que você já chegou escrevendo um livro e pensou: “Não, isso não presta” e jogou fora? stinky
Tinha um chamado The Cannibals (Os Canibais) que se passava em um apartamento e essas pessoas não conseguiam sair dele. Era meio interessante, mas eu não sabia o que fazer com ele, então simplesmente o deixei de lado e comecei a escrever algo que parecia mais factível. Tinha provavelmente umas 200 páginas. Você continua até não conseguir pensar em mais nada para dizer, e ponto final.
Roland Deschain [o personagem principal da série A Torre Negra de King] usa chapéu? Na minha opinião, não. Meu parceiro discorda. Por favor, resolvam essa discussão! jackbumby
Em algumas fotos ele usa chapéu. Mas eu nunca o vi de chapéu, não.
Estou cursando artes e estou pensando em me tornar um escritor de terror. Que trabalho de meio período seria bom para me inspirar? EagleDogCat
Eu me inspirei quando trabalhava em uma fábrica. Tivemos que limpar o lugar e havia muitos ratos grandes no porão. Escrevi uma história sobre isso e então comecei a trabalhar. Acho que qualquer tipo de trabalho braçal – o que nos EUA chamamos de trabalhador braçal – é uma boa experiência para um escritor. Você não quer um emprego em que possa sentar em uma sala limpa e bem iluminada e não ter que limpar a porcaria.

Se o medo fosse uma cor, seria monocromático ou teria tons diferentes? Simother,
Acho que é um azul escuro com um toque de preto. Você precisa ter alguma cor porque precisa enxergar um pouco. Você precisa sentir algo e ter uma ideia do que está nas sombras, por assim dizer. Então, sim, eu diria um azul escuro com um toque de preto.
Se você tivesse que inventar um final para a ‘América Trumpiana’, qual seria? herero
Eu acho que seria impeachment – o que, na minha opinião, seria um bom final. Eu adoraria vê-lo aposentado, digamos assim. O final ruim seria ele conseguir um terceiro mandato e assumir o controle completamente. É uma história de terror de qualquer maneira. Trump é uma história de terror, não é?
Quando vi Stranger Things pela primeira vez, parecia muito com um romance de Stephen King. Você concorda? Meckastemeduck
Eu não vejo isso como uma história de Stephen King tanto quanto algumas outras pessoas veem. Acho que os Irmãos Duffer me dão mais crédito do que mereço. Como muitas pessoas talentosas, eles cresceram com meu material. Quando eram jovens e maleáveis, liam muito Stephen King e diziam: “Queremos fazer algo assim”. Mas eles são caras muito talentosos e a história que desenvolveram tem muito mais do que Stephen King. Tem muito dos Irmãos Duffer. É bom. Vi todos os episódios. Gosto muito.
Se alguém fizesse um filme sobre a sua vida, quem te interpretaria? MorganFox77
Eu adoraria ter um protagonista bonito, mas não acho que o Brad Pitt faria isso. Ele é muito mais bonito do que eu. Já estou um pouco mais velho, então diria que talvez o Christopher Lloyd ou… quem é o cara em Twin Peaks, o cara alto principal? Kyle MacLachlan.
Tenho certeza de que as pessoas sempre perguntam sobre seus segredos obscuros. Há algo adorável em você que você gostaria de compartilhar? Urrurrsh
Não sei te contar.
Quando outra adaptação cinematográfica ou televisiva chega à sua mesa, ela desperta entusiasmo ou suspiros de desespero? LP43TT
Ainda fico animado quando alguém faz um filme a partir de algo que eu fiz. Fiquei animado para ver “O Macaco” no início deste ano, e “A Vida de Chuck”. Estou muito animado para ver “O Concorrente” (remake de Edgar Wright), que foi filmado na Inglaterra. Não escrevo pensando em filmes. Apenas escrevo o que parece ser uma boa história que as pessoas e eu vamos gostar. Então, o que acontecer com ela, acontece. Tudo bem. Gosto dos filmes, mas acho que são coisas diferentes, como comparar maçãs e laranjas, por assim dizer.

Você preferiria ter a tecnologia para se teletransportar para onde quiser, como em A Excursão (The Jaunt), acesso a uma despensa que permite viajar no tempo de volta a um único ponto, como em 11/22/63, ou uma loja modesta onde você pode comprar seu maior desejo, como em Trocas Macabras? smilligan
Eu não acho que quero ter nada a ver com viagem no tempo porque você bagunçaria as coisas. Tenho medo de que se eu tentasse me teletransportar, meus átomos se misturariam com uma mosca e eu vi esse filme, então eu não gostaria disso. Meu maior desejo, qual seria? Ei, eu tenho tudo o que quero. Tenho dois pares de jeans limpos na minha cômoda. O que eu realmente gosto é – eu sou meio que um cara de sapatos. Eu amo sapatos. Eu admiro as mulheres porque elas têm todos esses sapatos muito legais. Eu provavelmente tenho 20 pares de sapatos, cara. Tênis, botinhas e coisas assim. Quando as pessoas virem isso, vão dizer: “Ah, que loucura”. Aposto que muitas mulheres vão ler isso e vão dizer: “Tenho 50 pares de sapatos”.
Tenho sonhos muito vívidos e muitas vezes estranhos, que meu marido brinca que são como os romances de Stephen King. Alguma obra sua foi inspirada por sonhos estranhos? Katzahran
Lembro de um, sobre uma geladeira abandonada que, quando abriu, estava cheia dessas sanguessugas voadoras, e contei isso em uma história.
Você disse que não gosta de fevereiro, do número 13 e de dar entrevistas. Isso ainda se aplica? TopTramp
Houve uma época, quando eu era um escritor jovem e esforçado, em que imaginava todas as respostas inteligentes e espirituosas que daria em entrevistas. Agora que me deparo com entrevistadores como você, estou meio travado. Me ouço dizendo: “Hum… é… ah… é…” várias vezes. É uma questão de ter cuidado com o que você deseja, porque você pode conseguir.
A Vida de Chuck estreia nos cinemas brasileiros a partir de 4 de setembro.
Artigo do jornal “The Guardian” traduzido por: Rafael da Silva Pereira

Rafael da Silva Pereira nasceu em São Paulo, capital, atualmente cursa História pela Universidade Estácio de Sá. Fascinado pelo lado sombrio do horror desde muito jovem, encontrou no terror clássico sua principal fonte de inspiração — influenciado por obras cinematográficas como Halloween (1978), Sexta-feira 13 (1980) e O Massacre da Serra Elétrica (1974).
É autor do livro “Religiões UFO: ufolatria que invade mentes”, publicado pela Editora Cia do Mistério, onde investigou com rigor histórico e olhar crítico as manifestações religiosas ligadas ao fenômeno ufológico.
Além da escrita, Rafael também é divulgador científico e editor-chefe da Revista Giordano, dedicada à difusão da ciência com uma abordagem acessível e interdisciplinar.
Está escrevendo agora seu primeiro terror chamado “Bootzamon”, no qual Rafael dá voz às sombras que sussurram por entre milharais, casas e estradas de Black Hollow. Mais do que uma história de terror, este livro é um mergulho no imaginário de uma América rural marcada por segredos antigos, pactos silenciosos e um mal que nunca desaparece — apenas espera a próxima colheita.